RESUMO:
«Trabalho e Regulamentação
da Manufatura Têxtil na Região de Guimarães no Século XVI»
Podemos considerar uma descrição que
se desenvolve em duas partes distintas a saber: Primeira parte faz uma sucinta
narrativa das razões históricas das origens do aparecimento desta indústria na
referida região e da proveniência e preparação do linho como fundamental
matéria prima utilizada na fiação e tecelagem. A segunda parte reporta-se essencialmente
a fatores de ordem económica, custos e preços e à regulamentação laboral, tendo
por base o Regimento dos Tecelões e as consequentes correições ou fiscalização
junto das lojas ou oficinas, que eram regularmente visitadas por olheiros
nomeados pelos serviços camarários.
Este trabalho tem por objetivo,
compreender as práticas da manufatura têxtil no século XVI, e sua regulamentação
laboral existente nessa época, em comparação com a atualidade.
Abstract
"Labor regulations and Textile Manufacturing in Region de Guimarães in the Sixteenth Century
Can we consider a description that develops in two distinct parts namely: First part is a brief narrative of the origins of their historical emergence of this industry in that region and the origin and preparation of flax as a key raw material used in spinning and weaving. The second part refers mainly to economic factors, costs and prices and labor regulation, based on the Rules of the Weavers and the consequent Corrections or supervision from the shops or workshops, which were regularly visited by scouts appointed by council services .
This study aims to understand the practices of textile manufacturing in the sixteenth century, and its labor regulations prevailing at the time, compared to today.
Introdução:
Neste
trabalho, é meu propósito fazer uma sucinta narrativa relacionada com a
manufatura têxtil em Entre Douro e Minho, origens e tradições, o
cultivo e tratamento do linho como matéria prima, a sua fiação e tecelagem, as
condicionantes laborais designadamente, as ferramentas utilizadas, os regimentos, posturas, acórdãos
municipais, que regulamentavam a atividade
e finalmente a sua utilidade em forma de tecido e sua mercantilização, nacional e
internacional.
A atividade
das manufaturas têxteis que já se localizavam geograficamente, desde séculos
passados, na região D´Entre Douro e Minho, segundo o arqueólogo Martins
Sarmento, já os povos castrejos que habitaram os castros de Briteiros e de
Sabroso utilizavam o linho na tecelagem em teares verticais. Sendo esta a
região por excelência onde por tradição secular se cultivava o linho, com
grande incidência nas regiões de Barcelos, Guimarães e Vila do Conde, foi esta
atividade objeto de um forte incremento, desde logo, com o advento da expansão marítima portuguesa, nos finais do século XV e princípios do
século XVI.
A necessidade
de grandes quantidades de panos para serem utilizados no velame das naus e
caravelas, construídas nos estaleiros navais de Vila do Conde, foram sem dúvida
um estímulo e a motivação que deram origem a um grande surto de desenvolvimento
das manufaturas têxteis e sua comercialização, nas referidas regiões. (POLÓNIA, 1997, p. 11)
1 – Cultivo e tratamento do linho:
O linho é conhecido como a planta
têxtil mais antiga, era cultivada um pouco por toda a Europa, com grande
incidência na Rússia e nos países limítrofes, muito embora fosse também
cultivado na Grã-Bretanha, especialmente na Irlanda do Norte, na Holanda,
Bélgica, França, ex-Austria-Hungria, Itália, Espanha, Portugal, Índia, Egito,
Canadá e Argentina. Em Portugal eram conhecidas duas qualidades de linho: o
linho mourisco que era semeado no Outono
e arrancado com a raiz na Primavera, e o galego semeado na Primavera. Este
linho era inicialmente cultivado em terras de boa exposição solar e de regadio
fácil, adubada com estrume proveniente de currais dos animais, podia-se
considerar uma cultura biológica com resultados de grande qualidade. Sendo que,
cito: “E já nos tempos dos romanos eram
conhecidos os linhos da Lusitânia que gozavam de grande fama em Roma”. Duarte
Nunes de Leão diz: “que o nosso linho era
o mais fino do mundo e que os preciosos bordados da Índia eram de finíssimo
linho importado de Portugal”. (AURORA, 1935, p.p. 4-5)
O cultivo e tratamento do linho,
obedece a uma panóplia de operações que vão desde a preparação das terras,
passando pelas sementeiras, regas, monda, arranque, ripada, linhaça, maceração,
enxugo, malha, alagadoiro, maçadouro, moagem, espadelada, assedagem, fiação
(ANEXO-1), sarilho, cora e branqueamento, dobadoura, urdideira e tecelagem e
finalmente, branqueamento do tecido.
(AURORA, 1935, p.p. 11-30)
(AURORA, 1935, p.p. 11-30)
2 – Condicionamentos tradicionais
(ANEXO-1)
Nas casas agrícolas, podemos
depreender que as tarefas de fiação e tecelagem eram por natureza tarefas mais
condizentes com o sexo feminino, ou seja, com as mulheres existentes no
agregado familiar, tendo em conta que eram trabalhos menos violentos,
comparados com as tarefas do campo que por norma eram executados pelos homens
da casa. Outra das razões que nos indicam ser as mulheres mais predestinadas às
tarefas da tecelagem doméstica é a sua direta ligação ao conhecimento da auto-suficiência
da casa em termos de vestuário, toalhas, lençóis, e sobretudo a manufatura dos
enxovais para as filhas do casal, que na época tinha a particularidade de
funcionar como um quinhão de mais valia para o futuro casamento. Todavia, não
havia noiva que se prezasse que, não tivesse o seu enxoval tecido pelas suas
próprias mãos que era religiosamente guardado numa arca, como se de um tesouro
se tratasse. (OLIVEIRA,
1978, p.p. 173-174).
(ANEXO-2)
Como reforço da ideia, que a
atividade têxtil era mais exercida pelas mulheres, sugerimos o depoimento feito
perante os magistrados municipais no ano de 1588 pelo tecelão Pedro Álvares, da
Amorosa: “fora a sua casa um porteiro e o
pinhoara por dizer q. sua mulher e suas filhas e criadas tinhão três theares em
q. tecião biatilhas e que pagaçem de cada thear três vintens pera as pellas”(1) (CARVALHO,
1941, p. 17).
(1)
(Arq.
Mun., Códice 590, fl. 148, v).
Além de mais, o alvará de 1556, ao
dirigir-se exclusivamente às «tecedeiras», é mais um comprovativo que reforça a
ideia, de que a tecelagem era essencialmente exercida por mão de obra feminina.
(POLÓNIA, 1997, p. 13)
A tecelagem dos panos de treu, foi
outra atividade localizada na região de, Barcelos e Vila do Conde, Maia e
Azurara, esses panos tiveram uma intensa aplicação no velame da construção
naval, chegou mesmo a ser considerada na época uma tecelagem de marca
reconhecida internacionalmente, pelos «panos de Vila do Conde», pela sua
qualidade e resistência, sendo por via disso, objeto do próprio rei D. Manuel
I, se empenhar na organização da produção desses panos. Por outro lado, avaliar
pelo referido alvará de 1556, é um indicativo que nos informa mais
concretamente, onde se tecia o maior volume de panos de treu, que se
circunscrevia às regiões de Vila do Conde, Barcelos, Maia e Azurara. (POLÓNIA, 1997, p. 11)
Nos finais do século XV e princípios
do século XVI, com a expansão marítima as manufaturas têxteis que até aí,
funcionavam em regime por assim dizer, de auto-suficiência dos tecidos
necessários para uso do agregado familiar, a partir destas datas, houve uma
crescente atividade têxtil, onde o mercantilismo teve um contributo fundamental
na importação e exportação de matérias primas e tecidos no mercado nacional e
internacional. (FERREIRA,
1983, p.p. 46-48)
Em virtude da procura, a oferta
tornou-se escassa, então os mercadores tornaram-se por assim dizer
investidores, compravam o linho, lã e outros produtos no mercado nacional ou
internacional como matéria prima, e até chegaram a comprar teares e colocá-los
em casa dos tecelões e tecedeiras, dando assim satisfação aos seus compromissos
comerciais. (VRIES, 1991,
p. 144)
3 – Relações e legislação Laboral
Esta
proto-indústria que temos vindo a falar, não se julgue que funcionava em “roda
livre”, havia legislação régia que regulamentava todos os setores da atividade,
desde o licenciamento de um tear que
fosse, até à Carta de Exame do tecelão ou tecedeira, que era atribuída após um
rigoroso exame, na presença de Juízes do Ofício qualificados. Com efeito,
competia aos municípios deliberar alvarás, posturas e acórdãos à luz do
regimento em vigor. Quem não cumprisse ou prevaricasse as determinações
regulamentares, ficava sujeito a multas ou coimas muito duras. Importa referir que as relações de trabalho, desde logo, assentavam numa base corporativa, isto é, as relações do trabalho eram impostas por regras estabelecidas pelos regimentos, posturas e regulamentos.
Para
fiscalizar o cumprimento das disposições regulamentares, haviam as chamadas
Visitas da “Correição”.
Eram consideradas infrações:
a)
Trabalhar de conta própria, como
mestre, sem Carta de Exame.
b)
Não elegerem as classes o respectivo
Juíz de Ofício.
c)
Ter loja aberta, vender na oficina,
sem regimento de preços.
d)
Não haver prestado em Câmara, termo
de fiança ao ofício.
(CARVALHO, 1941,
p. 25).
Faz referência este estudo, a vários extratos do regimento de
Tecelões, Regimento de 1572, que tudo indicava tratar-se do primeiro regimento
dos tecelões, sendo que, mais tarde com a reforma de Duarte Nunes de Lião, se
veio a verificar que afinal o regimento mais antigo data de 3 de Janeiro de
1559. Este regimento está descrito nesta bibliografia.
( Liv. Dos Regim. Dos Ofs. mec. de
Lisboa, fls. 202 a 206). V.C., p. 164.
A este regimento, seguem-se alguns
Despachos e Assentos do Senado que formam acrescentamentos que vão de 1531 a
1708. (LANGHANS, 1946,
II, p.p. 724 a 753).
Por exemplo:
Despacho dado pella Camara as Teced.ras de tear baixo:
“Disem as tecedeiras de tear baixo que ellas pedirão a v. S.ª e m.ces que
sem embargo de hua postura que novamente se fisera em seu prejuízo e usança de
seu officio se mandou dar vista as partes e resoarão e se deu nesta vereação
passada despacho que usassem de seus officios como usarão o qual despacho so
deu em huma folha de fora per nesta petição não haver papel em que se pusesse e
ao levantar da Mesa quandosse vossa Senhoria e meçes forão ou se sonegou o
despacho ou se perdeo de maneira que se lhes mandou.,Pedem a v. S.ª e merçes o
mandem refformar para conservação de sua justiça e para as não executarem pella
pena da postura E.R.M.ce” (LANGHANS, 1946,
II, p.p. 730 a 731).
A mercantilização do linho e dos
tecidos resultantes das manufaturas, a par das feiras era feita também, em
mercados ambulantes e que este negócio tinha sido regulamentado nas cortes de
Lisboa em 1455, determinando-se: “que as
tecedeiras fizessem feira no primeiro dia de cada mês, e as que faltassem e
depois lhes fosse achada alguma teia, se
exigisse a sisa como se a vendessem” (1) ( CARVALHO, 1941, p. 35)
(1) Gama Barros, « Hist. da Adm. Pub. em
Port.», vol. 4.º, p. 167
Na carta magna que D. Manuel I,
outorga a Guimarães, em 1517, está explícito o pagamento de taxas de portagem
na mercantilização do linho, vejamos:
« Por carga mayor nove Reaaes
« E por carga menor quatro Reaaes e meio.
« E por costal dous Reaaes e dous seytis
« E por arroba hum Real.
« E diy pêra baixo hum soldo a libra quãdo vierem pêra vender.
Porq. quem levar dos ditos panos, ou de
cada hum delles, retalhos e pedaços pêra seu uso, nom pagarom portagem.
« Nem pagará o pano e fiado q. se mandar fora a tecer, pisoar, curar ou
tenger».
« E do linho em cabello fiado ou por fiar q. não seja tecido … por carga
mayor quatro Reaaes.
« E por menor dous Reaaes.
« E por costal hum Real.
« E diy pera baixo atee hum ceitil quando vier pera vender. Por q. quãdo
das ditas cousas e de cada hua dellas levar pera seu uzo, de costal pera baixo
atee hum Real, nom pagarom portagem».
( CARVALHO,
1941, p. 35-36)
A valorização do trabalho nessa
época, eram inexistentes, importa referir que, não havia o conceito daquilo que
se designa hoje por trabalho. O trabalho era reservado ao grupo mais baixo da
sociedade, o trabalho era encarado como uma atividade desprezível, uma
penitência. As classes superiores ou dominantes, competia-lhes rezar e
combater, daí a classificação da sociedade em oratores, belatores e
laboratores. (AMORIM,
Inês, 2002, p. ?)
Conclusão:
Julgo ter dado resposta ao que me
propus abordar na introdução inicial. Estabeleci uma metodologia sequencial da
atividade têxtil no século XVI, que começou nas origens na obtenção e
preparação da matéria prima como uma planta têxtil ancestral e todo o percurso
inerente para a conclusão do produto final, ou seja, do tecido, como o pano de
treu e outros panos domésticos, a sua utilidade e comercialização. Toda esta
atividade obedecia a regulamentos régios e municipais, como está sumariamente
descrito no meu texto. Com este trabalho, Julgo ter dado um contributo embora
modesto, para uma crescente difusão desta interessante temática secular.
Bibliografia:
OLIVEIRA, Ernesto Veiga; GALHANO
Fernando; PEREIRA Benjamim – Tecnologia
Tradicional Portuguesa o Linho: Lisboa, Centro de Estudos de Etnologia.
1978, p. 246.
AURORA, Conde, - A vida do linho . - Porto : Litografia
Nacional, 1935. p. 51
LANGHANS, Franz-Paul; MARCELO Caetano
– As Corporações dos Ofícios Mecânicos. Lisboa,
Imprensa Nacional de Lisboa, 1946. 2 vol.
ALVES, Jorge Fernandes – A Indústria
Têxtil do Vale do Ave, [S.l. : s.n., 2002]. p. 18
(1) Gama Barros, «Hist. da Adm. Pub.
em Port.», vol. 4º., pág. 167
CARVALHO, A . L. – Os
mesteres de Guimarães, Barcelos: Companhia Editora do Minho, 1941.
215 p. II vol.
AMORIM, Inês, coord. [et. al.] – Qualificações, Memórias e identidade do
Trabalho. Instituto de Emprego e Formação Profissional: 2002. ISBM
972-732-751-6. p. 215.
MADUREIRA, Nuno Luís [et. al.] – História do Trabalho e das Ocupações:
in Vol. I A Indústria Têxtil - Tecelagem. Oeiras: Celta Editora, 2001. ISBM:
972-774-126-6. p.p. 65-101.
FERREIRA, Ana Maria Pereira – A Importação e o Comércio Têxtil em
Portugal, Século XV (1385 a 1481). In Temas Portugueses, Lisboa, INCM,
1983. p. 167.
GARCIA, João Carlos, Os têxteis no Portugal dos séculos XV e XVI
– Lisboa – Centro de Estudos Geográficos, 1986.
GERALDES, Manuel linho no Distrito de Braga, Coimbra: Imprensa da Universidade,
1913. Nunes - Monografia sobre a
indústria do
POLÓNIA, Amélia - “A tecelagem de panos de tréu em
Entre-Douro-e-Minho no século XVI. Contributos para a definição de um modelo de
produção”. In Jorge Ferreira Alves (coord.), A Indústria Portuense em
Perspetiva Histórica, CLC-FLUP, Porto, 1997, pp.11-23.
VRIES, Jan de - A economia da Europa numa época de crise (1600-1750) Trad.
Álvaro de Figueiredo. - 2ª
ed.. - Lisboa : Publicações Dom
Quixote, 1991. - 338 p. ; 24
cm.- (Anais ; 1) ISBN 972-20-0287-
Fontes primárias:
Em leituras efetuadas no âmbito do trabalho a realizar, tomei
conhecimento da existência de fontes primárias, ou seja, documentos escritos na
época do século XVI, os quais referenciavam a localização geográfica de
produções agrícolas e manufatureiras da referida época. Com efeito, tomamos
conhecimento para além de outras fontes, das seguintes monografias:
MESTRE António, físico natural de Guimarães que
escreveu, em 1512, Tratado Sobre a
Província D´Entre Douro e Minho e Suas Avondanças.
O interesse desta monografia, reside na descrição que é feita
sobre o volume de transações de panos de
linho, em 1512, em que é referida a seguinte citação: …” soomente deste ano de quinhentos e doze sairão desta Villa de
Guimarães mais de cem mil varas de pano de linho e estopa curadas”
(Bibl.
Mun. do Porto., Mans. 531, colec. Conde de Azevedo)
Dr. João de
Barros, escreve em 1552, Geografia
D´Douro e Minho e Trás-os-Montes
A determinada altura, este autor, avalia nesta obra, o
trabalho de fiação e tecelagem na região de Guimarães, num total de vinte mil
cruzados, ou seja, oito contos de reis. Por outro lado, refere-se á falta de
mão de obra nos campos, pelo facto das mulheres se dedicarem a outros afazeres,
o que se depreende tratar-se de afazeres domésticos, onde esteja incluída a
atividade de fiação e tecelagem. (BARROS, 1552)
(Bibl. Mun. do Porto)
NOVAIS,
Manuel Pereira de, outro escritor do século XVI, escreve sob o tema do linho,
na sua obra “Anacrisis Historial” (Vol. 4º., p. 75):
“ Da bondade e cópia do
linho desta Província e da sua extremada delicadeza, e brancura, em telas e em
fio, se manifesta a todos a abundância nos contornos da Vila de Guimarães”.
Fumentando este “
elogio particular de Guimarães”, acrescenta: que a terra vimaranense, “ no uso do fabrico de lenços, e mantilhas,
e sevilhetas, e no delgado do fio, excede a Província. E tanto que dela e de
suas madeixas de fio se aproveitam os índios de Cambaia quando manda a esta
Província, principalmente à Vila de Guimarães, a buscar o delicado e finíssimo
fio desta Vila para pespontar e debuxar aquelas vistosas colchas de Bengala,
não havendo melhores febras de linho para aqueles folhos e recamados de aquelas
sobrecanas que aqui se torcem, pois em brancura e firmeza excede a qualquer
outro torçal, nem que seja de seda, e é lá mais estimado que a mesma seda”
(Bibl. Mun. do Porto)
Outras Fontes Primárias:
Para além das referidas monografias relacionadas com a
temática em apreço, pesquisamos através do Cedopormar – Alfândega Régia em Vila
do Conde diversos extratos de fontes documentais que abordam acontecimentos da
atividade têxtil no século XVI, com predominância para deliberações da vereação
municipal de posturas e acórdãos sobre coimas e licenciamentos que incidiam nas
tecedeiras, tecelões e mercadores.
Por exemplo:
Datas de
produção: 1562/09/28 - 1562/09/28
Código
parcial: 1562/042
Identificador:
1434
Tipologia
Informacional: Acta de vereação
Conteúdo Informacional: Prestações de
juramento, nomeação e deliberação ocorridas na reunião de 1562/09/28.
Deliberação nomeando recebedor das sisas para o 4º quartel deste ano, António
Godinho, mareante. Nesta sessão presta juramento de juiz e examinador do ofício
de ferreiros, Diogo Dias. Nesta sessão nomeiam-se examinadoras deste ofício,
Beatriz Gonçalves e Catarina Lopes, tecedeiras, que deverão, porém, ser primeiramente
examinadas pelas também tecedeiras, Francisca Fernandes e Maria Pires. Nesta
sessão prestam juramento de examinadoras das de seu ofício, Beatriz Gonçalves
"das tecedeiras de tear alto", e Catarina Lopes, das "de tear
baixo".
Datas de
produção: 1568/10/11 - 1568/10/11
Código
parcial: 1568/060
Identificador:
1566
Tipologia
Informacional: Acta de vereação
Conteúdo Informacional: Deliberações
tomadas na reunião de 1568/10/11. Deliberação proibindo a entrada na vila de
pano de treu, assim como de qualquer embarcação, provindo de fora do termo, sem
prévio exame sanitário.
Deliberação proibindo que se
"compre coisa que vier a vender a esta vila, de mareantes, e tabuado e
louça". Deliberação determinando que "toda a pessoa que vender
sardinha na ribeira, a dará à vila assim e pelos preços que a der aos
almocreves ou a outras pessoas".
(Cedepormar)
Outras Fontes:
CARVALHO, A . L. – Os
mesteres de Guimarães, Barcelos: Companhia Editora do Minho, 1941.
215 p. II vol.
Nesta bibliografia, são referidos diversos extratos de fontes com
origens nos seguintes arquivos: Arquivo Municipal de Guimarães, Arquivo e
Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento e Arquivo da Misericórdia de
Guimarães.
Por
exemplo:
Em
1522 foi estabelecido um preçário de um âmbito de grande abrangência, com a
supervisão da autoridade régia, destinado a várias profissões e actividade económica
local. O custo de mão de obra do tecelão, tinha a ver com a dimensão da largura
da peça tecida, assim como, a sua composição do ponto de vista das matérias
primas utilizadas. (CARVALHO, 1941, II, p. 22)
«I t. não levara mays hun tecelão de toalhas por tecer hua vara de
linho avincado ou estopa por muito delgada de
lavor de Veneza e de vara
e meia e largo e asy de lavor de damasco da
mesma largura de cinquenta rs….…………………………………. 1 rs.
«E sendo do dito lavor de vara e
terça corenta rs…………………………………….……………………… xI rs.
«E se for de vara e largo sedo de
linho ou estopa delgada não levará mais de trinta rs. por vara
……xxx rs.
«E sendo dahy pera baixo destopa mais grosa vinte e cinquo
rs……………………………………………xxb rs.
(cont.)
(Bibl. da Sociedade Martins Sarmento, man. nº. 37)
Crítica das Fontes
Introdução:
Observadas que foram as várias fontes
de informação mencionadas no trabalho apresentado “A Manufatura Têxtil em Entre Douro e Minho no Século XVI”, foi meu
propósito estabelecer uma seleção das fontes que incidissem numa temática mais
comum relativamente à atividade têxtil nesta época. Depois de uma análise
exaustiva ao texto apresentado e tendo em conta toda a bibliografia consultada,
foi percetível o interesse em destacar a existência de normas regulamentares ou
regimentos e as respetivas audiências e correições, que tinham por finalidade
organizar, ordenar e harmonizar o funcionamento da atividade têxtil, tutelada
ora pelas respectivas corporações e confrarias no que concerne à profissão
propriamente dita, como seja, a atribuição da Carta de Exame às tecedeiras e
tecelões, após uma examinação por um Mestre ou Juíz de Ofício. Por outro lado,
competia aos municípios a devida aplicação dos regimentos municipais em vigor,
sendo para o efeito averiguado através de visitas da correição levadas à
prática por homens da vereação acompanhados de um olheiro que percorriam as
lojas e as oficinas dos mesteirais, tanto na vila como nas freguesias rurais,
porque ninguém podia exercer a atividade de tecelão sem estar munido do
respectivo alvará de licença, assim como de uma Carta de Exame. Todavia, estas
visitas da correição tinham uma abrangência diversificada, não se limitava
apenas à averiguação da posse de cartas de exame dos tecelões, mas a todas as
infrações que infringissem o regimento municipal em vigor.
Descrição:
Em 1522 foi determinado pelas
ordenações de D. Manuel I, o regimento régio relativo a taxas e salários que
correspondia a uma economia dirigida.
Para além dos regimentos régios, eram
elaboradas revisões nos regimentos de preços de mão de obra dos tecelões e
tecedeiras, em reuniões realizadas pelas corporações de mesteres, que depois a
votadas entre si, eram submetidos à aprovação do Senado Municipal as novas
tabelas, para assim vigorar como “força de Lei” (CARVALHO, 1941, p. 23).
Alguns extratos do Regimento dos
tecelões e tecedeiras:
Custo da mão de obra do tecelão
Regimento do ofício de tecelões
Regimento do ofício de tecedeiras
Quem fosse por exemplo, apanhado a trabalhar por conta
própria, como mestre, sem Carta de Exame.
Quem não eleger nas classes o respetivo Juíz de Ofício.
Ter loja aberta, vender na oficina, sem regimento de preços.
Não haver prestado em Câmara, termo
de fiança ao ofício.
O escrivão deste ofício deveria ter
em seu poder, todos os livros que pertencerem à Economia e Governo do mesmo
Ofício, a saber:
Livro da matrícula dos
oficiais e aprendizes
Livro das Correições
Livro de receita, e
despesa
Livro dos Termos
Os aprendizes, teriam um período de
quatro anos de ensino, quando fosse ministrado por um Mestre, e de três anos
por uma Mestra, tendo em conta que as Mestras tinha menos obras, que
manufaturas. Era obrigatório o cumprimento destes períodos, caso contrário os
Mestres ou Mestras eram condenados a cadeia por trinta dias, e pagará seis mil
reis, metade para as despesas da cidade, a outra para os do Ofício e obrigados
a acabar de o ensinar. (LANGHANS,
1946, II, p. 744).
Nenhum fabricante de seda, algodão ou
bolanteiro, poderá tecer panos de linho, estopa, fazer toalhas ou guardanapos,
sob pena de lhes ser tomados os teares em que estiver as referidas obras, e dá
cadeia onde estarão pelo tempo de trinta dias e pagarão oito mil reis, e
juntamente ao produto e a venda dos teares, se fará duas partes uma para as
obras da cidade e a outra para as despesas do ofício ou para o denunciante, não
tendo sido pelos juízes. (LANGHANS,
1946, II, p. 749).
Todo o Mestre, ou Mestra, Oficial, ou
Obreira que desafiar oficial ou obreira, que esteja trabalhando noutra loja
para vir para a sua, ou para qualquer outra, quando se provar que seja um ato
de inquietação, será condenado em três mil reis. (LANGHANS, 1946, II, p.p. 748-749).
Por despacho de sete de Julho de
1777, não será permitido trabalharem mulheres ou aprendizas, em lojas de
Mestres desta Corporação, apenas lhes será permitido oficiais do seu sexo. O
mesmo se aplica às lojas de Mestras, não é permitido trabalhar aprendizes ou
homens, caso se venha a provar esta situação serão condenados pela primeira vez
em dez mil reis, e se for reincidente no dobro sendo-lhe fechada a loja pelo
tempo de seis meses, e da condenação será metade para as obras da cidade, e a
outra parte para as despesas do ofício ou para quem o denunciar não sendo os
juízes. (LANGHANS, 1946,
II, p.p. 750).
Todo o oficial, ou obreira, que
aprendeu a trabalhar, ou se justificar que trabalha na loja de Mestres de sexo
diferente, dá cadeia onde estarão vinte dias, e pagarão oito mil reis para as
despesas do Ofício. (LANGHANS,
1946, II, p.p. 750).
Mestras deste ofício não terão nas
suas lojas, oficial ou aprendiz não sendo marido seu, ou filho, se tal
acontecer será condenada, em seis mil reis, e se for reincidente passará para o
dobro, e poderá ser fechada a loja pelo tempo de seis meses. (LANGHANS, 1946, II, p.p. 749).
Provando-se que algum mestre, mestra,
oficial ou obreira deste ofício, por má fé, procura por si, ou por outrem, em
todo, ou em parte opor-se ao bem determinado neste Regimento, será condenado a
trinta mil reis pagos na cadeia onde estará doze meses. (LANGHANS, 1946, II, p. 752).
Todas estas infrações, era analisadas, julgadas e condenadas com multas,
e cadeia para as situações mais graves. O valor das multas variavam conforme as
infrações e revertiam uma parte para o denunciante, neste caso para o olheiro,
o restante para os cofres do município, caso fosse reincidente, o valor das
multas passavam para o dobro. O veredito final era decidido pelo coletivo da
vereação, procuradores, corregedor e presidido pelo Juíz de Fora na presença de
testemunhas. Competia ao escrivão municipal registar nos livros camarários
todas as ocorrências das audiências realizadas, que se traduziram na atualidade
como produtores de fontes de informação disponíveis no arquivo municipal. (CARVALHO, 1941, p. 25).
Conclusão:
Nas diversas descrições das fontes,
nomeadamente nos registos das audiências, fica-se com a perceção de uma
dispersão geográfica da atividade da manutatura têxtil, um pouco por todos os
Coutos de Ronfe e S. Torcato, com maior incidência nas freguesias rurais do
termo da Vila de Guimarães.
Outra das constatações verificadas
nas fontes de informação, é a superioridade numérica das mulheres tecedeiras em
relação aos homens tecelões, nas diversas descrições dos registos das
audiências nos livros camarários, é frequente vermos uma maior presença de
mulheres como arguidas de processos de julgamento. Assim, podemos concluir, que
de uma maneira geral as manufaturas têxteis como trabalho doméstico, estavam
mais a cargo das mulheres, tendo em conta uma maior ocupação dos homens no
trabalho agrícola.
Elementos da grelha e sua justificação
Introdução:
Os elementos que compõem a grelha,
foram escolhidos de acordo com os temas que pretendo dar maior destaque, porque
é suposto serem aspetos elementares sobre o trabalho que me propus realizar, “A Manufatura Têxtil em Entre Douro e Minho
no Século XVI”, tendo em conta a diversidade das facetas a abordar, optei
por selecionar a existência de normas regulamentares ou regimentos e as
respetivas audiências e correições, que tinham por finalidade organizar,
ordenar e harmonizar o funcionamento da atividade têxtil.
Descrição:
O Regimento dos Tecelões aprovado e
promulgado em Lisboa em 3 de Janeiro de 1559, por Dom Duarte da Costa do
Concelho de El Rey nosso Senhor e o Doutor António Dias, entre outros, foi sem
dúvida, o elemento chave que regulamentou o funcionamento da atividade têxtil
de forma mais organizada. Este Regimento era constituído por 10 capítulos
subdivididos em artigos.
Como se verificará a Grelha das
Fontes em anexo, faz referência aos capítulos e artigos, segundo o meu ponto de
vista, que mais se destacam pelas suas facetas, algumas delas, susceptíveis de
se tornarem implícitas a sua interpretação, obedecendo ao critério do
historiador.
1-
Duração da aprendizagem com
subdivisão em masculino e feminino
Razões:
a) Exige aprendizagem institucionalizada
b) Complexidade das tarefas a
desempenhar
2-
Espaço de aprendizagem:
O espaço de aprendizagem era na loja
do Mestre ou da Mestra, que normalmente era constituído por um edifício de três
assoalhadas, sendo que a loja funcionava do r/chão, no 1º andar ficava o
armazém e no 2º andar a habitação do Mestre ou da Mestra.
3-
Correições, com aplicação de multas e
condenações:
Os valores das multas e as restantes
condenações, variavam conforme as prevaricações, e estavam determinadas e
explicitas no respetivo Regimento, elaborado com o parecer das corporações dos
mesteres têxteis.
a) Quando houvesse reincidência, o valor da
multa passava para o dobro.
b) Regimento previa em casos mais graves, o
encerramento da loja e
tempo de
cadeia, só para homens, porque a condenação de mulheres,
estava isenta
de cumprir penas de cadeia.
4-
Organização do Trabalho
Condições de atividade:
a) Acesso; Fiança
b) Concorrência pela mão de obra
Por exemplo:
No capítulo 5
- Os aprendizes tinha o tempo de ensino de 4 anos na loja do Mestre e de 3 anos
na loja da mestra. Porquê esta diferença de tempo de duração do ensino? Segundo
a descrição do Regimento, na loja da Mestra havia menos obra, que manufaturas
para realizar.
Capítulo 7 do artº 3 - A partir de 7 de Julho de 1707, houve uma separação de oficiais e
obreiras, assim como de aprendizes masculinos e femininos, isto é, nenhuma
Mestra podia ter a trabalhar na sua loja um oficial ou aprendiz masculino, a
menos que fosse seu marido ou filho, o mesmo se aplicava ao Mestre, o qual não
podia ter a trabalhar na sua loja obreira ou aprendiz feminino. Agora quais as
razões desta separação por sexo? Este comportamento da sociedade, aparece na
Idade da Razão e das Luzes entre o século XVII e XVIII, numa época em que o
dogmatismo religioso começa a decair, entrando-se num período de maior
«repressão da sexualidade», exercida pela igreja católica. (FOUCAULT, 1999, p.21)
Capítulo 6 do artº 9 - Sempre que um oficial ou obreira que estivesse a trabalhar numa loja e
fosse desafiado para ir trabalhar para outra loja, quem desafiasse era
condenado por desinquietação em três mil reis. O que se poderá concluir, da
existência de proibição da concorrência de mão de obra.
Capítulo 6 –
Todo o tecelão e tecedeira só podia exercer a sua atividade se tivesse Carta de
Exame, passada pelo Juiz do Ofício. Aqui entende-se, que o oficial e a obreira
tinham de estar habilitados a exercer as suas tarefas com competência, dada a
complexidade do ofício.
A partir de 13 de Agosto de 1796, por
reclamação dos industriais, no reinado de D. Maria I, é otorgada a Lei que
isenta os oficiais tecelões a tirar Carta de Exame, passando essa
responsabilidade para os industriais. Julgo nesta data haver uma expansão da
atividade de tal ordem, que houve a necessidade de estabelecer maior mobilidade
e flexibilidade da mão de obra, em que a obtenção da Carta de Exame dos
tecelões, era um empecilho para a produtividade. Pode-se concluir que com esta
medida, a partir de então, o processo foi mais liberalizado. (CARVALHO, 1941, Códice 1261,
D.to 22)
Capítulo 6 do artº 4 – Os Mestres e Mestras deste ofício não poderão ter duas lojas, nem
fazer parceria em regime de sociedade, para segundo o Regimento, se evitarem
fraudes que podem traduzir-se em danos comuns para a Corporação.
Capítulo 4 do artº 5 – Os Juízes de Ofício não poderão Examinar seus filhos, ou parentes, nem
oficial que tenha sido seu aprendiz, sob pena de ser condenado em 8 mil reis,
metade para as obras da cidade, e a outra parte para as despesas do ofício. Ora
neste caso, depreendesse facilmente as razões de ser deste artigo, que como é
óbvio, será para evitar a corrupção.
Em 1522 foi determinado pelas
ordenações de D. Manuel I, o regimento régio relativo a taxas e salários que
correspondia a uma economia dirigida.
Contudo, era sabido que a remuneração
do trabalho das mulheres, era sempre abaixo dos homens. (LAINS, 2005, p.110)
Para além dos regimentos régios, em
1719 foram elaboradas revisões nos regimentos de preços de mão de obra dos
tecelões e tecedeiras, em reuniões realizadas pelas corporações de mesteres,
que depois de votadas entre si, eram submetidos à aprovação do Senado Municipal
as novas tabelas, para assim vigorar como “força de Lei” (CARVALHO, 1941, p. 23).
Conclusão:
Podemos concluir que esta dinâmica
que temos vindo a descrever, tem o seu começo a partir do reinado de D. Manuel
I, mais propriamente na região de Entre Douro e Minho, por um lado, porque era
uma região onde havia uma forte tradição medieval da cultura do Linho, por
outro lado, porque entramos no apogeu, período dos descobrimentos e da Expansão
Marítima Portuguesa, que proporcionou novos horizontes, novos intercâmbios, com
implicações numa acentuada mercantilização de tecidos e matérias-primas, tanto
na exportação, como na importação.
Bibliografia:
CARVALHO,
A.L. - Os Mesteres de Guimarães, 1941
FOUCAULT,
Michel - História da Sexualidade, 1999
LAINS, Pedro
– História Económica de Portugal, 1700-2000: 1º Vol. O Século XVIII, Tipografia
Guerra, Viseu, 2005, ISBM 972-671-138-X
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