Thursday, January 3, 2013

Trabalho e Regulamentação da Manufatura Têxtil na Região de Guimarães no Século XVI



RESUMO:
«Trabalho e Regulamentação da Manufatura Têxtil na Região de Guimarães no Século XVI»
Podemos considerar uma descrição que se desenvolve em duas partes distintas a saber: Primeira parte faz uma sucinta narrativa das razões históricas das origens do aparecimento desta indústria na referida região e da proveniência e preparação do linho como fundamental matéria prima utilizada na fiação e tecelagem. A segunda parte reporta-se essencialmente a fatores de ordem económica, custos e preços e à regulamentação laboral, tendo por base o Regimento dos Tecelões e as consequentes correições ou fiscalização junto das lojas ou oficinas, que eram regularmente visitadas por olheiros nomeados pelos serviços camarários.
Este trabalho tem por objetivo, compreender as práticas da manufatura têxtil no século XVI, e sua regulamentação laboral existente nessa época, em comparação com a atualidade.

Abstract

"Labor regulations and Textile Manufacturing in Region de Guimarães in the Sixteenth Century

 
Can we consider a description that develops in two distinct parts namely: First part is a brief narrative of the origins of their historical emergence of this industry in that region and the origin and preparation of flax as a key raw material used in spinning and weaving. The second part refers mainly to economic factors, costs and prices and labor regulation, based on the Rules of the Weavers and the consequent Corrections or supervision from the shops or workshops, which were regularly visited by scouts appointed by council services .
This study aims to understand the practices of textile manufacturing in the sixteenth century, and its labor regulations prevailing at the time, compared to today. 

Introdução:
Neste trabalho, é meu propósito fazer uma sucinta narrativa relacionada com a manufatura  têxtil  em Entre Douro e Minho, origens e tradições, o cultivo e tratamento do linho como matéria prima, a sua fiação e tecelagem, as condicionantes laborais designadamente, as ferramentas utilizadas, os regimentos, posturas, acórdãos municipais, que regulamentavam a atividade  e finalmente a sua utilidade em forma de tecido  e sua mercantilização, nacional e internacional.
A atividade das manufaturas têxteis que já se localizavam geograficamente, desde séculos passados, na região D´Entre Douro e Minho, segundo o arqueólogo Martins Sarmento, já os povos castrejos que habitaram os castros de Briteiros e de Sabroso utilizavam o linho na tecelagem em teares verticais. Sendo esta a região por excelência onde por tradição secular se cultivava o linho, com grande incidência nas regiões de Barcelos, Guimarães e Vila do Conde, foi esta atividade objeto de um forte incremento, desde logo, com o advento  da expansão marítima portuguesa,  nos finais do século XV e princípios do século XVI.
A necessidade de grandes quantidades de panos para serem utilizados no velame das naus e caravelas, construídas nos estaleiros navais de Vila do Conde, foram sem dúvida um estímulo e a motivação que deram origem a um grande surto de desenvolvimento das manufaturas têxteis e sua comercialização, nas referidas regiões. (POLÓNIA, 1997, p. 11)

1 – Cultivo e tratamento do linho:
O linho é conhecido como a planta têxtil mais antiga, era cultivada um pouco por toda a Europa, com grande incidência na Rússia e nos países limítrofes, muito embora fosse também cultivado na Grã-Bretanha, especialmente na Irlanda do Norte, na Holanda, Bélgica, França, ex-Austria-Hungria, Itália, Espanha, Portugal, Índia, Egito, Canadá e Argentina. Em Portugal eram conhecidas duas qualidades de linho: o linho mourisco  que era semeado no Outono e arrancado com a raiz na Primavera, e o galego semeado na Primavera. Este linho era inicialmente cultivado em terras de boa exposição solar e de regadio fácil, adubada com estrume proveniente de currais dos animais, podia-se considerar uma cultura biológica com resultados de grande qualidade. Sendo que, cito: “E já nos tempos dos romanos eram conhecidos os linhos da Lusitânia que gozavam de grande fama em Roma”. Duarte Nunes de Leão diz: “que o nosso linho era o mais fino do mundo e que os preciosos bordados da Índia eram de finíssimo linho importado de Portugal”. (AURORA, 1935, p.p. 4-5)
O cultivo e tratamento do linho, obedece a uma panóplia de operações que vão desde a preparação das terras, passando pelas sementeiras, regas, monda, arranque, ripada, linhaça, maceração, enxugo, malha, alagadoiro, maçadouro, moagem, espadelada, assedagem, fiação (ANEXO-1), sarilho, cora e branqueamento, dobadoura, urdideira e tecelagem e finalmente, branqueamento do tecido.
                                                                                                      (AURORA, 1935, p.p. 11-30)

2 – Condicionamentos tradicionais
 
(ANEXO-1)

Desde logo, se depreende pelo vocábulo manufatura, e tendo em conta a época em questão, século XVI, estarmos perante atividades têxteis do linho manuais ou artesanais, as quais são histórica e geograficamente descritas e localizadas designadamente em Guimarães, Barcelos e Vila do Conde por historiadores coevos como Mestre António físico de Guimarães em 1512 e Dr. João de Barros em 1552. Esta atividade, era exercida de uma maneira geral em regime doméstico, isto é, todas as casas de lavoura que se prezassem, tinham o seu tear manual (ANEXO-2) que funcionava como um complemento à atividade agrícola, que se traduzia em mais valias económicas do agregado familiar. (ALVES, 2002. p. 1)
Nas casas agrícolas, podemos depreender que as tarefas de fiação e tecelagem eram por natureza tarefas mais condizentes com o sexo feminino, ou seja, com as mulheres existentes no agregado familiar, tendo em conta que eram trabalhos menos violentos, comparados com as tarefas do campo que por norma eram executados pelos homens da casa. Outra das razões que nos indicam ser as mulheres mais predestinadas às tarefas da tecelagem doméstica é a sua direta ligação ao conhecimento da auto-suficiência da casa em termos de vestuário, toalhas, lençóis, e sobretudo a manufatura dos enxovais para as filhas do casal, que na época tinha a particularidade de funcionar como um quinhão de mais valia para o futuro casamento. Todavia, não havia noiva que se prezasse que, não tivesse o seu enxoval tecido pelas suas próprias mãos que era religiosamente guardado numa arca, como se de um tesouro se tratasse. (OLIVEIRA, 1978, p.p. 173-174).
 (ANEXO-2)

Como reforço da ideia, que a atividade têxtil era mais exercida pelas mulheres, sugerimos o depoimento feito perante os magistrados municipais no ano de 1588 pelo tecelão Pedro Álvares, da Amorosa: “fora a sua casa um porteiro e o pinhoara por dizer q. sua mulher e suas filhas e criadas tinhão três theares em q. tecião biatilhas e que pagaçem de cada thear três vintens pera as pellas”(1) (CARVALHO, 1941, p. 17).

                                                                                                                                        (1)        (Arq. Mun., Códice 590, fl. 148, v).
Além de mais, o alvará de 1556, ao dirigir-se exclusivamente às «tecedeiras», é mais um comprovativo que reforça a ideia, de que a tecelagem era essencialmente exercida por mão de obra feminina. (POLÓNIA, 1997, p. 13)
A tecelagem dos panos de treu, foi outra atividade localizada na região de, Barcelos e Vila do Conde, Maia e Azurara, esses panos tiveram uma intensa aplicação no velame da construção naval, chegou mesmo a ser considerada na época uma tecelagem de marca reconhecida internacionalmente, pelos «panos de Vila do Conde», pela sua qualidade e resistência, sendo por via disso, objeto do próprio rei D. Manuel I, se empenhar na organização da produção desses panos. Por outro lado, avaliar pelo referido alvará de 1556, é um indicativo que nos informa mais concretamente, onde se tecia o maior volume de panos de treu, que se circunscrevia às regiões de Vila do Conde, Barcelos, Maia e Azurara. (POLÓNIA, 1997, p. 11)
Nos finais do século XV e princípios do século XVI, com a expansão marítima as manufaturas têxteis que até aí, funcionavam em regime por assim dizer, de auto-suficiência dos tecidos necessários para uso do agregado familiar, a partir destas datas, houve uma crescente atividade têxtil, onde o mercantilismo teve um contributo fundamental na importação e exportação de matérias primas e tecidos no mercado nacional e internacional. (FERREIRA, 1983, p.p. 46-48)
Em virtude da procura, a oferta tornou-se escassa, então os mercadores tornaram-se por assim dizer investidores, compravam o linho, lã e outros produtos no mercado nacional ou internacional como matéria prima, e até chegaram a comprar teares e colocá-los em casa dos tecelões e tecedeiras, dando assim satisfação aos seus compromissos comerciais. (VRIES, 1991, p. 144)

3 – Relações e legislação Laboral
Esta proto-indústria que temos vindo a falar, não se julgue que funcionava em “roda livre”, havia legislação régia que regulamentava todos os setores da atividade, desde o  licenciamento de um tear que fosse, até à Carta de Exame do tecelão ou tecedeira, que era atribuída após um rigoroso exame, na presença de Juízes do Ofício qualificados. Com efeito, competia aos municípios deliberar alvarás, posturas e acórdãos à luz do regimento em vigor. Quem não cumprisse ou prevaricasse as determinações regulamentares, ficava sujeito a multas ou coimas muito duras. Importa referir que as relações de trabalho, desde logo, assentavam numa base corporativa, isto é, as relações do trabalho eram impostas por regras estabelecidas pelos regimentos, posturas e regulamentos.
Para fiscalizar o cumprimento das disposições regulamentares, haviam as chamadas Visitas da “Correição”.
Eram consideradas infrações:
a)       Trabalhar de conta própria, como mestre, sem Carta de Exame.
b)       Não elegerem as classes o respectivo Juíz de Ofício.
c)        Ter loja aberta, vender na oficina, sem regimento de preços.
d)       Não haver prestado em Câmara, termo de fiança ao ofício.
                                                                       (CARVALHO, 1941, p. 25).
Faz referência  este estudo, a vários extratos do regimento de Tecelões, Regimento de 1572, que tudo indicava tratar-se do primeiro regimento dos tecelões, sendo que, mais tarde com a reforma de Duarte Nunes de Lião, se veio a verificar que afinal o regimento mais antigo data de 3 de Janeiro de 1559. Este regimento está descrito nesta bibliografia.
( Liv. Dos Regim. Dos Ofs. mec. de Lisboa, fls. 202 a 206). V.C., p. 164.
A este regimento, seguem-se alguns Despachos e Assentos do Senado que formam acrescentamentos que vão de 1531 a 1708. (LANGHANS, 1946, II, p.p. 724 a 753).

Por exemplo:
Despacho dado pella Camara as Teced.ras de tear baixo:
“Disem as tecedeiras de tear baixo que ellas pedirão a v. S.ª e m.ces que sem embargo de hua postura que novamente se fisera em seu prejuízo e usança de seu officio se mandou dar vista as partes e resoarão e se deu nesta vereação passada despacho que usassem de seus officios como usarão o qual despacho so deu em huma folha de fora per nesta petição não haver papel em que se pusesse e ao levantar da Mesa quandosse vossa Senhoria e meçes forão ou se sonegou o despacho ou se perdeo de maneira que se lhes mandou.,Pedem a v. S.ª e merçes o mandem refformar para conservação de sua justiça e para as não executarem pella pena da postura E.R.M.ce” (LANGHANS, 1946, II, p.p. 730 a 731).
A mercantilização do linho e dos tecidos resultantes das manufaturas, a par das feiras era feita também, em mercados ambulantes e que este negócio tinha sido regulamentado nas cortes de Lisboa em 1455, determinando-se: “que as tecedeiras fizessem feira no primeiro dia de cada mês, e as que faltassem e depois lhes fosse achada alguma teia, se exigisse a sisa como se a vendessem” (1) ( CARVALHO, 1941, p. 35)
(1)      Gama Barros, « Hist. da Adm. Pub. em Port.», vol. 4.º, p. 167

Na carta magna que D. Manuel I, outorga a Guimarães, em 1517, está explícito o pagamento de taxas de portagem na mercantilização do linho, vejamos:
          « Por carga mayor nove Reaaes
          « E por carga menor quatro Reaaes e meio.
          « E por costal dous Reaaes e dous seytis
          « E por arroba hum Real.
          « E diy pêra baixo hum soldo a libra quãdo vierem pêra vender.
Porq. quem levar dos ditos panos, ou de cada hum delles, retalhos e pedaços pêra seu uso, nom pagarom portagem.
          « Nem pagará o pano e fiado q. se mandar fora a tecer, pisoar, curar ou tenger».
          « E do linho em cabello fiado ou por fiar q. não seja tecido … por carga mayor quatro Reaaes.
          « E por menor dous Reaaes.
          « E por costal hum Real.
          « E diy pera baixo atee hum ceitil quando vier pera vender. Por q. quãdo das ditas cousas e de cada hua dellas levar pera seu uzo, de costal pera baixo atee hum Real, nom pagarom portagem».

                                                                                                   ( CARVALHO, 1941, p. 35-36)

A valorização do trabalho nessa época, eram inexistentes, importa referir que, não havia o conceito daquilo que se designa hoje por trabalho. O trabalho era reservado ao grupo mais baixo da sociedade, o trabalho era encarado como uma atividade desprezível, uma penitência. As classes superiores ou dominantes, competia-lhes rezar e combater, daí a classificação da sociedade em oratores, belatores e laboratores. (AMORIM, Inês, 2002, p. ?)

Conclusão:
Julgo ter dado resposta ao que me propus abordar na introdução inicial. Estabeleci uma metodologia sequencial da atividade têxtil no século XVI, que começou nas origens na obtenção e preparação da matéria prima como uma planta têxtil ancestral e todo o percurso inerente para a conclusão do produto final, ou seja, do tecido, como o pano de treu e outros panos domésticos, a sua utilidade e comercialização. Toda esta atividade obedecia a regulamentos régios e municipais, como está sumariamente descrito no meu texto. Com este trabalho, Julgo ter dado um contributo embora modesto, para uma crescente difusão desta interessante temática secular.
Bibliografia:
OLIVEIRA, Ernesto Veiga; GALHANO Fernando; PEREIRA Benjamim – Tecnologia Tradicional Portuguesa o Linho: Lisboa, Centro de Estudos de Etnologia. 1978, p. 246.
AURORA, Conde, - A vida do linho . - Porto : Litografia Nacional, 1935. p. 51
LANGHANS, Franz-Paul; MARCELO Caetano – As Corporações dos Ofícios Mecânicos. Lisboa, Imprensa Nacional de Lisboa, 1946. 2 vol.
ALVES, Jorge Fernandes – A Indústria Têxtil do Vale do Ave, [S.l. : s.n., 2002]. p. 18
(1) Gama Barros, «Hist. da Adm. Pub. em Port.», vol. 4º., pág. 167
CARVALHO, A . L. – Os mesteres de Guimarães, Barcelos: Companhia Editora do Minho, 1941. 215 p. II vol.
AMORIM, Inês, coord. [et. al.] – Qualificações, Memórias e identidade do Trabalho. Instituto de Emprego e Formação Profissional: 2002. ISBM 972-732-751-6. p. 215.
MADUREIRA, Nuno Luís [et. al.] – História do Trabalho e das Ocupações: in Vol. I A Indústria Têxtil - Tecelagem. Oeiras: Celta Editora, 2001. ISBM: 972-774-126-6. p.p. 65-101.
FERREIRA, Ana Maria Pereira – A Importação e o Comércio Têxtil em Portugal, Século XV (1385 a 1481). In Temas Portugueses, Lisboa, INCM, 1983. p. 167.
GARCIA, João Carlos, Os têxteis no Portugal dos séculos XV e XVI – Lisboa – Centro de Estudos Geográficos, 1986.
GERALDES, Manuel linho no Distrito de Braga, Coimbra: Imprensa da Universidade, 1913. Nunes - Monografia sobre a indústria do
POLÓNIA, Amélia - “A tecelagem de panos de tréu em Entre-Douro-e-Minho no século XVI. Contributos para a definição de um modelo de produção”. In Jorge Ferreira Alves (coord.), A Indústria Portuense em Perspetiva Histórica, CLC-FLUP, Porto, 1997, pp.11-23.
VRIES, Jan de - A economia da Europa numa época de crise (1600-1750) Trad. Álvaro de Figueiredo. -  2ª ed.. - Lisboa : Publicações Dom Quixote, 1991. - 338 p. ; 24 cm.- (Anais ; 1) ISBN 972-20-0287-
 

 Fontes primárias:
Em leituras efetuadas no âmbito do trabalho a realizar, tomei conhecimento da existência de fontes primárias, ou seja, documentos escritos na época do século XVI, os quais referenciavam a localização geográfica de produções agrícolas e manufatureiras da referida época. Com efeito, tomamos conhecimento para além de outras fontes, das seguintes monografias:
MESTRE  António, físico natural de Guimarães que escreveu, em 1512, Tratado Sobre a Província D´Entre Douro e Minho e Suas Avondanças.
O interesse desta monografia, reside na descrição que é feita sobre o volume de transações  de panos de linho, em 1512, em que é referida a seguinte citação: …” soomente deste ano de quinhentos e doze sairão desta Villa de Guimarães mais de cem mil varas de pano de linho e estopa curadas”
                                                                                                                        (Bibl. Mun. do Porto., Mans. 531, colec. Conde de Azevedo)
Dr. João de Barros, escreve em 1552, Geografia D´Douro e Minho e Trás-os-Montes
A determinada altura, este autor, avalia nesta obra, o trabalho de fiação e tecelagem na região de Guimarães, num total de vinte mil cruzados, ou seja, oito contos de reis. Por outro lado, refere-se á falta de mão de obra nos campos, pelo facto das mulheres se dedicarem a outros afazeres, o que se depreende tratar-se de afazeres domésticos, onde esteja incluída a atividade de fiação e tecelagem. (BARROS, 1552)
                                                                                                                            (Bibl. Mun. do Porto)
                                                                                                                          
NOVAIS, Manuel Pereira de, outro escritor do século XVI, escreve sob o tema do linho, na sua obra “Anacrisis Historial” (Vol. 4º., p. 75):
“ Da bondade e cópia do linho desta Província e da sua extremada delicadeza, e brancura, em telas e em fio, se manifesta a todos a abundância nos contornos da Vila de Guimarães”.
Fumentando este “ elogio particular de Guimarães”, acrescenta: que a terra vimaranense, “ no uso do fabrico de lenços, e mantilhas, e sevilhetas, e no delgado do fio, excede a Província. E tanto que dela e de suas madeixas de fio se aproveitam os índios de Cambaia quando manda a esta Província, principalmente à Vila de Guimarães, a buscar o delicado e finíssimo fio desta Vila para pespontar e debuxar aquelas vistosas colchas de Bengala, não havendo melhores febras de linho para aqueles folhos e recamados de aquelas sobrecanas que aqui se torcem, pois em brancura e firmeza excede a qualquer outro torçal, nem que seja de seda, e é lá mais estimado que a mesma seda”
                                                                                                                                                   (Bibl. Mun. do Porto)

Outras Fontes Primárias:
Para além das referidas monografias relacionadas com a temática em apreço, pesquisamos através do Cedopormar – Alfândega Régia em Vila do Conde diversos extratos de fontes documentais que abordam acontecimentos da atividade têxtil no século XVI, com predominância para deliberações da vereação municipal de posturas e acórdãos sobre coimas e licenciamentos que incidiam nas tecedeiras, tecelões e mercadores.
Por exemplo:
Datas de produção: 1562/09/28 - 1562/09/28
Código parcial: 1562/042
Identificador: 1434
Tipologia Informacional: Acta de vereação

Conteúdo Informacional: Prestações de juramento, nomeação e deliberação ocorridas na reunião de 1562/09/28. Deliberação nomeando recebedor das sisas para o 4º quartel deste ano, António Godinho, mareante. Nesta sessão presta juramento de juiz e examinador do ofício de ferreiros, Diogo Dias. Nesta sessão nomeiam-se examinadoras deste ofício, Beatriz Gonçalves e Catarina Lopes, tecedeiras, que deverão, porém, ser primeiramente examinadas pelas também tecedeiras, Francisca Fernandes e Maria Pires. Nesta sessão prestam juramento de examinadoras das de seu ofício, Beatriz Gonçalves "das tecedeiras de tear alto", e Catarina Lopes, das "de tear baixo".

Datas de produção: 1568/10/11 - 1568/10/11
Código parcial: 1568/060
Identificador: 1566
Tipologia Informacional: Acta de vereação

Conteúdo Informacional: Deliberações tomadas na reunião de 1568/10/11. Deliberação proibindo a entrada na vila de pano de treu, assim como de qualquer embarcação, provindo de fora do termo, sem prévio exame sanitário.
Deliberação proibindo que se "compre coisa que vier a vender a esta vila, de mareantes, e tabuado e louça". Deliberação determinando que "toda a pessoa que vender sardinha na ribeira, a dará à vila assim e pelos preços que a der aos almocreves ou a outras pessoas".
                                                                                                                                                             (Cedepormar)

Outras Fontes:

CARVALHO, A . L. – Os mesteres de Guimarães, Barcelos: Companhia Editora do Minho, 1941. 215 p. II vol.
Nesta bibliografia, são referidos diversos extratos de fontes com origens nos seguintes arquivos: Arquivo Municipal de Guimarães, Arquivo e Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento e Arquivo da Misericórdia de Guimarães.

Por exemplo:

Em 1522 foi estabelecido um preçário de um âmbito de grande abrangência, com a supervisão da autoridade régia, destinado a várias profissões e actividade económica local. O custo de mão de obra do tecelão, tinha a ver com a dimensão da largura da peça tecida, assim como, a sua composição do ponto de vista das matérias primas utilizadas. (CARVALHO, 1941, II, p. 22)

            «I t. não levara mays hun tecelão de toalhas por tecer hua vara de
 linho avincado ou estopa por muito delgada de lavor de Veneza e de vara
 e meia e largo e asy de lavor de damasco da mesma largura de cinquenta rs….…………………………………. 1 rs.
            «E sendo do dito lavor de vara e terça corenta rs…………………………………….……………………… xI rs.
            «E se for de vara e largo sedo de linho ou estopa delgada não levará mais de trinta rs. por vara ……xxx rs.
            «E sendo dahy  pera baixo destopa mais grosa vinte e cinquo rs……………………………………………xxb rs.
             (cont.)

                                                                                               (Bibl. da Sociedade Martins Sarmento, man. nº. 37)

           
Crítica das Fontes
Introdução:
Observadas que foram as várias fontes de informação mencionadas no trabalho apresentado “A Manufatura Têxtil em Entre Douro e Minho no Século XVI”, foi meu propósito estabelecer uma seleção das fontes que incidissem numa temática mais comum relativamente à atividade têxtil nesta época. Depois de uma análise exaustiva ao texto apresentado e tendo em conta toda a bibliografia consultada, foi percetível o interesse em destacar a existência de normas regulamentares ou regimentos e as respetivas audiências e correições, que tinham por finalidade organizar, ordenar e harmonizar o funcionamento da atividade têxtil, tutelada ora pelas respectivas corporações e confrarias no que concerne à profissão propriamente dita, como seja, a atribuição da Carta de Exame às tecedeiras e tecelões, após uma examinação por um Mestre ou Juíz de Ofício. Por outro lado, competia aos municípios a devida aplicação dos regimentos municipais em vigor, sendo para o efeito averiguado através de visitas da correição levadas à prática por homens da vereação acompanhados de um olheiro que percorriam as lojas e as oficinas dos mesteirais, tanto na vila como nas freguesias rurais, porque ninguém podia exercer a atividade de tecelão sem estar munido do respectivo alvará de licença, assim como de uma Carta de Exame. Todavia, estas visitas da correição tinham uma abrangência diversificada, não se limitava apenas à averiguação da posse de cartas de exame dos tecelões, mas a todas as infrações que infringissem o regimento municipal em vigor. 
Descrição:
Em 1522 foi determinado pelas ordenações de D. Manuel I, o regimento régio relativo a taxas e salários que correspondia a uma economia dirigida.
Para além dos regimentos régios, eram elaboradas revisões nos regimentos de preços de mão de obra dos tecelões e tecedeiras, em reuniões realizadas pelas corporações de mesteres, que depois a votadas entre si, eram submetidos à aprovação do Senado Municipal as novas tabelas, para assim vigorar como “força de Lei” (CARVALHO, 1941, p. 23).


Alguns extratos  do Regimento dos tecelões e tecedeiras:
Custo da mão de obra do tecelão
Regimento do ofício de tecelões
Regimento do ofício de tecedeiras

Quem fosse por exemplo, apanhado a trabalhar por conta própria, como mestre, sem Carta de Exame.
Quem não eleger nas classes o respetivo Juíz de Ofício.
Ter loja aberta, vender na oficina, sem regimento de preços.
Não haver prestado em Câmara, termo de fiança ao ofício. 
O escrivão deste ofício deveria ter em seu poder, todos os livros que pertencerem à Economia e Governo do mesmo Ofício, a saber:
Livro da matrícula dos oficiais e aprendizes
Livro das Correições
Livro de receita, e despesa
Livro dos Termos

Os aprendizes, teriam um período de quatro anos de ensino, quando fosse ministrado por um Mestre, e de três anos por uma Mestra, tendo em conta que as Mestras tinha menos obras, que manufaturas. Era obrigatório o cumprimento destes períodos, caso contrário os Mestres ou Mestras eram condenados a cadeia por trinta dias, e pagará seis mil reis, metade para as despesas da cidade, a outra para os do Ofício e obrigados a acabar de o ensinar. (LANGHANS, 1946, II, p. 744).
Nenhum fabricante de seda, algodão ou bolanteiro, poderá tecer panos de linho, estopa, fazer toalhas ou guardanapos, sob pena de lhes ser tomados os teares em que estiver as referidas obras, e dá cadeia onde estarão pelo tempo de trinta dias e pagarão oito mil reis, e juntamente ao produto e a venda dos teares, se fará duas partes uma para as obras da cidade e a outra para as despesas do ofício ou para o denunciante, não tendo sido pelos juízes. (LANGHANS, 1946, II, p. 749).

Todo o Mestre, ou Mestra, Oficial, ou Obreira que desafiar oficial ou obreira, que esteja trabalhando noutra loja para vir para a sua, ou para qualquer outra, quando se provar que seja um ato de inquietação, será condenado em três mil reis. (LANGHANS, 1946, II, p.p. 748-749).
Por despacho de sete de Julho de 1777, não será permitido trabalharem mulheres ou aprendizas, em lojas de Mestres desta Corporação, apenas lhes será permitido oficiais do seu sexo. O mesmo se aplica às lojas de Mestras, não é permitido trabalhar aprendizes ou homens, caso se venha a provar esta situação serão condenados pela primeira vez em dez mil reis, e se for reincidente no dobro sendo-lhe fechada a loja pelo tempo de seis meses, e da condenação será metade para as obras da cidade, e a outra parte para as despesas do ofício ou para quem o denunciar não sendo os juízes. (LANGHANS, 1946, II, p.p. 750).
Todo o oficial, ou obreira, que aprendeu a trabalhar, ou se justificar que trabalha na loja de Mestres de sexo diferente, dá cadeia onde estarão vinte dias, e pagarão oito mil reis para as despesas do Ofício. (LANGHANS, 1946, II, p.p. 750).
Mestras deste ofício não terão nas suas lojas, oficial ou aprendiz não sendo marido seu, ou filho, se tal acontecer será condenada, em seis mil reis, e se for reincidente passará para o dobro, e poderá ser fechada a loja pelo tempo de seis meses. (LANGHANS, 1946, II, p.p. 749).
Provando-se que algum mestre, mestra, oficial ou obreira deste ofício, por má fé, procura por si, ou por outrem, em todo, ou em parte opor-se ao bem determinado neste Regimento, será condenado a trinta mil reis pagos na cadeia onde estará doze meses. (LANGHANS, 1946, II, p. 752).
Todas estas infrações, era  analisadas, julgadas e condenadas com multas, e cadeia para as situações mais graves. O valor das multas variavam conforme as infrações e revertiam uma parte para o denunciante, neste caso para o olheiro, o restante para os cofres do município, caso fosse reincidente, o valor das multas passavam para o dobro. O veredito final era decidido pelo coletivo da vereação, procuradores, corregedor e presidido pelo Juíz de Fora na presença de testemunhas. Competia ao escrivão municipal registar nos livros camarários todas as ocorrências das audiências realizadas, que se traduziram na atualidade como produtores de fontes de informação disponíveis no arquivo municipal. (CARVALHO, 1941, p. 25).

Conclusão:
Nas diversas descrições das fontes, nomeadamente nos registos das audiências, fica-se com a perceção de uma dispersão geográfica da atividade da manutatura têxtil, um pouco por todos os Coutos de Ronfe e S. Torcato, com maior incidência nas freguesias rurais do termo da Vila de Guimarães.
Outra das constatações verificadas nas fontes de informação, é a superioridade numérica das mulheres tecedeiras em relação aos homens tecelões, nas diversas descrições dos registos das audiências nos livros camarários, é frequente vermos uma maior presença de mulheres como arguidas de processos de julgamento. Assim, podemos concluir, que de uma maneira geral as manufaturas têxteis como trabalho doméstico, estavam mais a cargo das mulheres, tendo em conta uma maior ocupação dos homens no trabalho agrícola.

 Elementos da grelha e sua justificação

Introdução:
Os elementos que compõem a grelha, foram escolhidos de acordo com os temas que pretendo dar maior destaque, porque é suposto serem aspetos elementares sobre o trabalho que me propus realizar, “A Manufatura Têxtil em Entre Douro e Minho no Século XVI”, tendo em conta a diversidade das facetas a abordar, optei por selecionar a existência de normas regulamentares ou regimentos e as respetivas audiências e correições, que tinham por finalidade organizar, ordenar e harmonizar o funcionamento da atividade têxtil.
Descrição:
O Regimento dos Tecelões aprovado e promulgado em Lisboa em 3 de Janeiro de 1559, por Dom Duarte da Costa do Concelho de El Rey nosso Senhor e o Doutor António Dias, entre outros, foi sem dúvida, o elemento chave que regulamentou o funcionamento da atividade têxtil de forma mais organizada. Este Regimento era constituído por 10 capítulos subdivididos em artigos.
Como se verificará a Grelha das Fontes em anexo, faz referência aos capítulos e artigos, segundo o meu ponto de vista, que mais se destacam pelas suas facetas, algumas delas, susceptíveis de se tornarem implícitas a sua interpretação, obedecendo ao critério do historiador.
1-      Duração da aprendizagem com subdivisão em masculino e feminino
Razões:
                         a)      Exige aprendizagem institucionalizada
                         b)      Complexidade das tarefas a desempenhar

2-      Espaço de aprendizagem:
O espaço de aprendizagem era na loja do Mestre ou da Mestra, que normalmente era constituído por um edifício de três assoalhadas, sendo que a loja funcionava do r/chão, no 1º andar ficava o armazém e no 2º andar a habitação do Mestre ou da Mestra.

3-      Correições, com aplicação de multas e condenações:
Os valores das multas e as restantes condenações, variavam conforme as prevaricações, e estavam determinadas e explicitas no respetivo Regimento, elaborado com o parecer das corporações dos mesteres têxteis.
                   a)   Quando houvesse reincidência, o valor da multa passava para o dobro.
 b)   Regimento previa em casos mais graves, o encerramento da loja e
         tempo de cadeia, só para homens, porque a condenação de mulheres,
         estava isenta de cumprir penas de cadeia.



4-      Organização do Trabalho
Condições de atividade:
a)        Acesso; Fiança
b)        Concorrência pela mão de obra
Por exemplo:
No capítulo 5 - Os aprendizes tinha o tempo de ensino de 4 anos na loja do Mestre e de 3 anos na loja da mestra. Porquê esta diferença de tempo de duração do ensino? Segundo a descrição do Regimento, na loja da Mestra havia menos obra, que manufaturas para realizar.
Capítulo 7 do artº 3 - A partir de 7 de Julho de 1707, houve uma separação de oficiais e obreiras, assim como de aprendizes masculinos e femininos, isto é, nenhuma Mestra podia ter a trabalhar na sua loja um oficial ou aprendiz masculino, a menos que fosse seu marido ou filho, o mesmo se aplicava ao Mestre, o qual não podia ter a trabalhar na sua loja obreira ou aprendiz feminino. Agora quais as razões desta separação por sexo? Este comportamento da sociedade, aparece na Idade da Razão e das Luzes entre o século XVII e XVIII, numa época em que o dogmatismo religioso começa a decair, entrando-se num período de maior «repressão da sexualidade», exercida pela igreja católica. (FOUCAULT, 1999, p.21)
Capítulo 6 do artº 9 - Sempre que um oficial ou obreira que estivesse a trabalhar numa loja e fosse desafiado para ir trabalhar para outra loja, quem desafiasse era condenado por desinquietação em três mil reis. O que se poderá concluir, da existência de proibição da concorrência de mão de obra.
Capítulo 6 – Todo o tecelão e tecedeira só podia exercer a sua atividade se tivesse Carta de Exame, passada pelo Juiz do Ofício. Aqui entende-se, que o oficial e a obreira tinham de estar habilitados a exercer as suas tarefas com competência, dada a complexidade do ofício.
A partir de 13 de Agosto de 1796, por reclamação dos industriais, no reinado de D. Maria I, é otorgada a Lei que isenta os oficiais tecelões a tirar Carta de Exame, passando essa responsabilidade para os industriais. Julgo nesta data haver uma expansão da atividade de tal ordem, que houve a necessidade de estabelecer maior mobilidade e flexibilidade da mão de obra, em que a obtenção da Carta de Exame dos tecelões, era um empecilho para a produtividade. Pode-se concluir que com esta medida, a partir de então, o processo foi mais liberalizado. (CARVALHO, 1941, Códice 1261, D.to 22)
Capítulo 6 do artº 4 – Os Mestres e Mestras deste ofício não poderão ter duas lojas, nem fazer parceria em regime de sociedade, para segundo o Regimento, se evitarem fraudes que podem traduzir-se em danos comuns para a Corporação.
Capítulo 4 do artº 5 – Os Juízes de Ofício não poderão Examinar seus filhos, ou parentes, nem oficial que tenha sido seu aprendiz, sob pena de ser condenado em 8 mil reis, metade para as obras da cidade, e a outra parte para as despesas do ofício. Ora neste caso, depreendesse facilmente as razões de ser deste artigo, que como é óbvio, será para evitar a corrupção.
Em 1522 foi determinado pelas ordenações de D. Manuel I, o regimento régio relativo a taxas e salários que correspondia a uma economia dirigida.
Contudo, era sabido que a remuneração do trabalho das mulheres, era sempre abaixo dos homens. (LAINS, 2005, p.110)
Para além dos regimentos régios, em 1719 foram elaboradas revisões nos regimentos de preços de mão de obra dos tecelões e tecedeiras, em reuniões realizadas pelas corporações de mesteres, que depois de votadas entre si, eram submetidos à aprovação do Senado Municipal as novas tabelas, para assim vigorar como “força de Lei” (CARVALHO, 1941, p. 23).

Conclusão:
Podemos concluir que esta dinâmica que temos vindo a descrever, tem o seu começo a partir do reinado de D. Manuel I, mais propriamente na região de Entre Douro e Minho, por um lado, porque era uma região onde havia uma forte tradição medieval da cultura do Linho, por outro lado, porque entramos no apogeu, período dos descobrimentos e da Expansão Marítima Portuguesa, que proporcionou novos horizontes, novos intercâmbios, com implicações numa acentuada mercantilização de tecidos e matérias-primas, tanto na exportação, como na importação.

Bibliografia:
CARVALHO, A.L. - Os Mesteres de Guimarães, 1941
FOUCAULT, Michel -  História da Sexualidade, 1999
LAINS, Pedro – História Económica de Portugal, 1700-2000: 1º Vol. O Século XVIII, Tipografia Guerra, Viseu, 2005, ISBM 972-671-138-X


 



 
 

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