A
escolha e abordagem deste tema, teve por principal motivo, tratar-se de uma
indústria localizada na região das minhas origens e residência, e nomeadamente
um tipo de indústria na qual exerci temporariamente a minha atividade
profissional como serralheiro mecânico na manutenção de máquinas de fiação e
tecelagem. Vou apenas abordar de forma sucinta, o pioneirismo da indústria
algodoeira no Vale do Ave, que se reveste de uma importância fundamental para o
desenvolvimento económico e social, através de uma dialética de progresso ao
longo das margens do rio Ave e Vizela.
Descrição:
Fábrica de Fiação e Tecidos do Rio
Vizela (Negrelos)
O
pioneirismo da indústria algodoeira no Vale do Ave, remonta a meados do século
XIX, mais exatamente a 1845, ano em que um grupo de comerciantes do Porto, aliados
numa sociedade constituída por emigrantes recém chegados do Brasil, portadores
de grandes fortunas, estabeleceram uma sociedade que esteve na origem da
instalação da primeira Fábrica de Fiação e Tecidos do Rio Vizela, considerada
na época a maior fábrica do Norte do país. “Em todo o caso, em 1848, a fábrica de Negrelos importou do
estrangeiro 5140 arrobas de algodão em rama, tendo produzido 4369 arrobas de
fio todo vendido no mercado nacional. Empregava já nessa altura 58 homens, 54
mulheres e 35 rapazes, com salários que oscilavam entre os 60 e os 440 réis,
mas continuava ainda o trabalho de montagem de máquinas, pelo que as receitas
ainda não cobriam as despesas. Em 1854, a capacidade de emprego da fábrica já
tinha mais do que duplicado, verificando-se uma população operária de 155
homens, 151 mulheres e 92 rapazes, ou seja, quase quatro centenas de
trabalhadores.” (ALVES,1995) Na
década de 50 era constituída por 3 a 4 mil operários, com 31.624 fusos e 1200
teares mecânicos. (ALVES,1995) Esta indústria foi inicialmente localizada em
Negrelos na margem esquerda do rio, sendo mais tarde ampliada para a margem
direita na localidade de Vila das Aves, onde foi construído um moderno edifício
de raiz de grandes dimensões, ficando mais tarde, as velhas instalações da
margem esquerda, destinadas a armazéns. A motivação da referida ampliação, para
a margem direita do rio Vizela, deve-se à rápida expansão desta indústria e à exiguidade
do terreno onde estava implantado o primitivo edifício, por outro lado, a
implantação da linha férrea em 1938 na margem direita do rio Vizela que liga
Porto a Guimarães, veio beneficiar esta indústria, contribuindo para uma maior
eficiência na política de transporte de mercadorias, nomeadamente o carvão para
as caldeiras que por sua vez, produziam energia a vapor. A construção da
estrada nacional 105 que liga também Porto a Guimarães, inaugurada em 1875, foi
outra infraestrutura importante para a emergente indústria têxtil no Vale do
Ave, e para outras que entretanto se vieram a implantar na região. O algodão
como matéria prima era proveniente das colónias portuguesas, desde meados do
século XIX, nomeadamente de Angola e Moçambique. Com o Estado Novo, através do
acto colonial de 1933, foram criadas novas condições no reforço da plantação do
algodão, em vista, a uma maior produção através de incentivos financeiros,
concedidos aos produtores, com empréstimos bancários de capital a juros mais
baratos. (ALVES, 2002)
Fábrica de Sampaio & Ferreira Cª.
em Riba D´Ave
Em 1896 outra indústria algodoeira de grande
importância se instalou
no Vale do Ave, nomeadamente em Riba D´Ave mais concretamente na margem
esquerda do rio Ave, tendo como seu proprietário Narciso Ferreira, homem de
origens humildes que de muito novo apenas com 19 anos, como tecelão se envolveu
na indústria doméstica, acumulando a atividade de comerciante dos seus
produtos, sendo que mais tarde veio a tornar-se um influente industrial. Para
se ter uma ideia do potencial da empresa de Narciso Ferreira no concelho de V.
N. de Famalicão em 1889, basta dizer que em média as outras indústrias do
concelho tinham 200$00 de capital e 8 a 20 operários, enquanto que Narciso
Ferreira tinha, 400$00 de capital e 51 operários, sendo mulheres 35, com um consumo
de fio de algodão de 6 contos de réis. (ALVES, 1999) A seguir a estas pioneiras
indústrias algodoeiras, outras proliferaram na região ao longo dos rios Ave e
Vizela, como por exemplo: A criação da Fiação do
Bugio, em Fafe, datada de 1873, a Fábrica de Fiação e Tecelagem, em Retorta,
Vila do Conde 1878, entre outras. Em 1890, esta
região do Vale do Ave, já era conhecida como uma importante região da indústria
têxtil algodoeira, com um peso significativo na economia nacional.
Razões da Localização:
O porquê da
localização das primeiras indústrias algodoeiras no Vale do Ave e porque não
noutro local? Não houve apenas um só motivo para a sua localização, vários outros
fatores se conjugaram na vinda destas indústrias para este local. Começaria por
referir a tradição da localização da indústria doméstica artesanal do linho nesta
região, a transição da tecelagem do linho para o algodão e o complemento
através da fusão ou mistura do linho com a nova matéria prima que era o algodão,
dava como resultado final um tecido de custos mais reduzidos, conhecido por
fustão, muito embora menos resistente do que o linho, mas que satisfazia
plenamente a sua utilidade, geralmente utilizado em vestuário dos indígenas das
colónias e das camadas mais vulneráveis da população. (VRIES, p.143). A
abundância de mão de obra disponível, mais dócil subserviente e menos
reivindicativa comparada às zonas urbanas do Porto, foram outras das razões, da
vinda destas indústrias para esta localidade. Outro fator foi sem dúvida o
aproveitamento da energia hidráulica através de quedas e água dos rios e
posteriormente o aproveitamento da água para a produção da energia a vapor, e
mais tarde a produção de eletricidade.
Primeira Empresa Têxtil Elétrica de Bairro
No princípio do
século XX , a partir do ano de 1905, é construída a primeira indústria têxtil
elétrica, conhecida por Empresa Têxtil Elétrica, na freguesia de Bairro, do
concelho de V.N. de Famalicão. (ALVES,1999)
Esta
empresa era pela primeira vez, movida totalmente
a energia elétrica, através de pequena barragem hidroelétrica onde era
turbinada energia que era aproveitada como força motriz no acionamento das
máquinas têxteis e iluminação pública, substituindo assim, a energia a vapor. Mais
tarde em 1958, o engº. Ferreira Dias como ministro da economia, dá um forte
impulso à construção da Rede Elétrica Nacional, levando à prática a Lei 2002
elaborada por si nos anos 30, com a construção de várias barragens hidroelétricas
nomeadamente nos rios Zêzere e Cávado. (ROLO,
p. 344)
Transformações culturais, mobilidade e
urbanismo:
No século XIX ,
houve uma grande emigração para o Brasil, tendo em conta a estagnação e a
miséria latente em Portugal. Restava-nos um País constituído por uma ruralidade
endémica com uma atividade agrícola a pare de uma indústria doméstica artesanal
do linho era o único panorama existente como meio de subsistência da população
antes da implantação destas pioneiras indústrias de tipo capitalista nesta
região em 1845, a partir daqui, deu-se uma transformação radical e profunda nos
hábitos e costumes da população e uma consequente explosão urbanística
considerável, que alterou profundamente a paisagem, e como diz o poeta:
"Milagre que Deus fez pelo seu braço,
onde cantavam dantes rouxinóis
rangem agora máquinas de aço…" (Fernando Carneiro)
A implantação
destas novas indústrias, veio sem dúvida, alterar o panorama social, mas também
cultural e urbanístico da região, a partir de então assistiu-se a um surto de
progresso que se traduziu a longo prazo, no melhoramento das condições de vida
das populações, a pare de muitos e grandes sacrifícios, de gerações contínuas
até aos tempos conturbados de hoje. A par de toda esta agitação fabril, também
se assistiu a uma transformação profunda no panorama cultural, desde logo, por
situações de choques de natureza psicológica junto das populações, por exemplo,
criou-se uma campanha negativa sobre as primeiras mulheres que ingressaram na
nova indústria têxtil, que habitualmente trabalhavam nos campos, eram acusadas
de maus comportamentos,desde logo,
suspeitos e duvidosos aos olhos de outras mulheres que se mantiveram camponesas, isto
é, levantavam-se preconceitos de ordem sexual e religiosa, que a seu tempo acabaram
por se esbater. (COELHO) Outro fator cultural assinalável, deveu-se à
construção das escolas técnicas, nas sedes dos concelhos, graças aos planos de
fomento nos anos 50/60, que tiveram por finalidade a instrução e preparação de
futuros técnicos e mestres na atividade têxtil entre outras.
A população que
até então na sua maioria se dedicava às tarefas agrícolas nos campos, passaram
a empregar-se nas indústrias que emergiam na região de forma crescente, fruto
de uma dialética industrial emergente. Porém, apesar de se ocuparem nas novas
atividades têxteis, os novos operários, mantinham em simultâneo as atividades
agrícolas como complemento económico do seu agregado familiar. Porém, a
concentração da indústria algodoeira nesta região, veio a provocar uma
mobilidade de trabalhadores provenientes de outras localidades distantes,
atraídos por um emprego consistente, na busca de melhores condições de vida.
Ora esta dinâmica veio a traduzir-se numa profunda alteração da paisagem
urbanística da região, ou seja, onde antes eram consideradas paisagens
totalmente rurais, com o advento da implantação desta indústria, a região, veio
a sofrer transformações consideráveis do ponto de vista urbanístico e citadino.
Por exemplo, hoje à noite, por efeitos da iluminação pública, quem visitar o
Vale do Ave dir-se-ia estar perante autênticas cidades das luzes.
Lutas operárias:
Havia na época uma
diferença substancial no valor dos salários da região do Vale do Ave, comparado
com o valor dos salários dos operários do Porto, ou seja, enquanto um tecelão
ganhava no Vale do Ave entre $120 a $160 reis/dia, em 12 horas de trabalho, operários
de outras profissões como carpinteiros e marceneiros ganhavam respetivamente
$240 e $300 reis/dia. No Porto um tecelão ganhava $300 reis/dia. (ALVES,1995)
Eis aqui, uma das
razões da vinda destas indústrias para o Vale do Ave. Contudo, mais tarde ou
mais cedo, as lutas operárias por melhores salários e condições de vida tiveram
o seu início no Norte, mesmo no tempo da Monarquia Constitucional em 1873,
começaram a manifestar-se com as primeiras greves através de paralisações de
tecelagens, promovidas pelo jovem movimento operário. (A.M./A.P./N.L.M. p.89) Já
no início da primeira República, nomeadamente em 1910, houve novos surtos de
greves, só comparáveis a seguir à revolução do 25 de Abril de 1974.
Em 1944 e 1954
houve uma grande agitação grevista nas indústrias têxteis do Vale do Ave, que
nem a PIDE conseguiu evitar, devido à imposição de atribuir de 3 a 4 teares
automáticos a um só operário. (A.M./A.P./N.L.M. p. 95)
Com as liberdades
provenientes do regime Republicano, o movimento operário liderado sobretudo por
anarco-sindicalistas, aproveitou o momento favorável para se organizar e em 15
a 17 de março de 1914, teve lugar em Tomar o 1º Congresso Nacional Operário e
criada então, a União Operária Nacional – UON, primeira central sindical
portuguesa.
A 15 de Setembro de 1919 realiza-se, em Coimbra, o II Congresso da UON em que
foi decidido criar a Confederação Geral do Trabalho – CGT, constituída por
operários revolucionários os quais, decidiram criar a Federação Maximalista
Portuguesa, embrião do Partido Comunista Português.(ADELAIDE, 2010).
A constituição do Partido Comunista
Português, a 6 de Março de 1921, constitui um acontecimento maior na
organização do movimento operário português. A classe operária passa a dispor
de uma organização política que assume de forma clara a defesa dos seus
interesses, dos seus direitos, da sua emancipação e, mais que isso, apresenta
um projecto revolucionário para a construção de uma sociedade sem classes.(ADELAIDE, 2010)
Mas, a liberdade
sindical foi efémero, tendo em conta o advento da ditadura sidonista.
Sendo Sidónio Pais no início apoiado com os votos dos anarquistas, uma vez no
poder, foi acusado de traição pela repressão então exercida sobre os
trabalhadores.
Entretanto Sidónio
Pais ao fim de um ano no poder, acabou assassinado, na estação do Rossio em
Lisboa. Mais tarde, com o golpe militar de 28 de Maio de 1926, e a instauração
da ditadura militar, seguida em 1933, da ditadura do Estado Novo, nova e longa
repressão se abateu sobre os trabalhadores portugueses. Em 1 de Maio de 1927,
todos os comícios foram proibidos e dissolvida a CGT, central sindical dos
trabalhadores. Foi proclamado em 1933, o corporativismo que imponha pela força
uma colaboração contranatura dos trabalhadores com os patrões com o objetivo de
por fim à eterna luta de, classes, o que nunca veio a acontecer apesar de o
regime usar tenebrosos meios repressivos através da polícia política PIDE/DGS, sobre
diversos dirigentes operários incluindo a prisão, tortura e assassinatos,
situação que penosamente se arrastou ao longo de 48 anos até à conquista da
liberdade com a revolução do 25 de Abril de 1974.
Conclusão:
A indústria têxtil
do Vale do Ave depois de todos estes gloriosos anos de atividade constante, tudo
indicava ser irreversível, quando menos se esperava, tudo ruiu de forma abrupta,
mergulhando numa profunda crise todo o sector, com a falência em série da
esmagadora maioria das grandes fábricas têxteis desta região, atirando para o
desemprego milhares de famílias sem recursos imediatos a novos empregos, o que
acabou por gerar uma dramática calamidade social, designadamente provocando
muitas situações de miséria e fome. O cenário desolador das ruínas dos
edifícios nesta região, é bem a prova da tragédia consumada. Naturalmente que
esta situação teve as suas causas e origens, que muitos aproveitaram para atribuir
de forma abstrata a fatores de ordem internacional mais conhecidos por
globalização, como forma de enjeitar responsabilidades dos verdadeiros culpados
desta nefasta situação. Então, poder-se-á perguntar porque se chegou a esta
situação?
Não será por acaso,
mais um efeito da ganância de um «prestigiado» capitalismo (agora denominado
por economia de mercado), com as famigeradas deslocalizações em busca de mão de
obra barata?
Bibliografia:
ALVES,
Jorge Fernandes; Silvestre Lacerda - Fábrica de Fiação e Tecidos do Rio Vizela
- As origens. In O TRIPEIRO, 7ª série, ano XV (1995), nº 1-2
(Janeiro/Fevereiro), p. 41-46, e nº 3, p. 84-88-http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/1187.pdf
ALVES,
Jorge Fernandes - A Indústria Têxtil do Vale do Ave. In MENDES, José
Amado; FERNANDES, Isabel (Coord.) - Património e Indústria no Vale do Ave.
Vila Nova de Famalicão: Adrave, 2002, p. 372-389. - http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/1183.pdf
VRIES, Jan de – Economia da Europa numa Época de Crise
– Indústria em Reestruturação
ROLO,
Maria Fernanda - Análise Social,vol. xxxi (130-137),
1996 (2.°-3.°), 343-354 - http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1223394207B2vIB7hv3Hv03QU8.pdf
BRITO, José Maria
Brandão de
A.M./A.P./N.L.M. –
Arnaldo Melo/Amélia Polónia/Nuno Luís Madureira – História do Trabalho e das Ocupações. Vol. I A Indústria Têxtil. 1ª
ed. Oeiras: Celta Editora, 2001. 297 p. ISBM: 972-774-126-6
ADELAIDE Pereira Alves,
O Movimento Operário Português e a
República; O Militante, Nº 306 – Mai/Jun 2010. História. http://www.omilitante.pcp.pt/pt/306/Historia/418/
Testemunho
oral:
COELHO, Ana Joaquina
Martins - Tecedeira na Fábrica de Fiação e Tecidos do Rio Vizela (Negrelos), a
partir de 1919, atualmente com 103 anos de idade.